26/07/2011

Queda em transplantes.

Doação de órgãos infantis cai mesmo após mudança de leiMenores de 18 anos passaram a ter prioridade, mas transplantes pediátricos diminuíram 6,7% no país
Especialistas citam pouca estrutura para atendimento da faixa etária, como falta de leitos e médicos de UTI


Cauê, dois anos e quatro meses, esperava, até anteontem, por um transplante de coração. Estava no 45º dia de internação no InCor (Instituto do Coração) de São Paulo.
A família teme que a espera se estenda muito. No mesmo hospital, há jovens que só conseguiram órgão compatível sete meses depois de entrar na fila de transplantes.
Esse tipo de operação entre menores de 18 anos, que já acontece em pequena quantidade no país, sofreu queda de 6,7% em 2010.
A redução frustrou especialistas da área -que esperavam o contrário após uma mudança na lei que tornou os mais jovens prioridade para receber órgãos de doadores da mesma faixa etária.
Até 2009, adultos que estivessem na lista de espera podiam receber órgãos de adolescentes e até de crianças na frente dos outros pacientes menores de 18 anos.
Segundo dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), a alteração ainda não trouxe reflexos: em 2010, foram 484 transplantes pediátricos (de menores de 18 anos) -em 2009, o número era 519.
Os órgãos considerados no levantamento foram: rim, fígado, coração e pulmão. Ao se considerar todas as faixas etárias, os transplantes desses órgãos subiram 6,6%.
A explicação para a queda não é clara, dizem especialistas. Uma hipótese é que tenha diminuído o aproveitamento dos órgãos pediátricos no período -o número de doadores na faixa etária teve um leve aumento.
Isso pode ser consequência da menor estrutura no país para doentes infantis.
"Em certas regiões do país, ainda há uma carência grande de leitos de UTI pediátrica", diz o coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari.
A falta desse tipo de leito prejudica não só o transplante, já que o pós-operatório requer cuidados, como a preservação de potenciais doadores, que após a morte encefálica são mantidos em respiração mecânica e medicados até retirar os órgãos.
Werther Brunow, vice-presidente da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), diz que os transplantes pediátricos também sofrem com a falta de médicos de UTI para a faixa etária. "Os investimentos estão acontecendo. Acredito que vamos começar a colher esses frutos em três, quatro anos."

MAIS GRUPOSClotilde Druck Garcia, diretora do departamento pediátrico da ABTO, diz que também é preciso investir em mais equipes de transplantes de coração e de pulmão, feitos em número reduzido.
Para mais transplantes de fígado, que caíram 19% em 2010, seria preciso aumentar a prioridade aos mais jovens até quando os doadores são adultos, afirma. Já os transplantes de rim parecem já estar no patamar ideal, diz.

Mariana, 3, ganha coração após 6 meses de esperaNa última quinta, Mariana, 3, devorava doces em um dos leitos da UTI do InCor.
Nem de perto parecia a menina abatida que, na semana anterior, aguardava por um transplante de coração. Ela ficou à espera por seis meses, internada.
A mãe, Mara Bizinotto, 41, "mudou-se" de Minas Gerais para o hospital com a filha, em janeiro deste ano. Nos corredores, ganhou uma nova família, composta de médicos, enfermeiros e outras mães que ainda esperam uma nova vida para filhos.
Há cinco crianças à espera de um coração no hospital.
Com a mãe de Cauê, Viviane Suzin, 37, que até a última sexta ainda esperava, Mara começou uma campanha para conscientizar a população da importância da doação de órgãos de crianças.
As duas criaram folhetos, que espalham pelo hospital, e Viviane já esteve até em programas de televisão.
"Nesta faixa etária, pela escassez de doação, o paciente espera mais", diz Estela Azeka, pediatra da unidade de cardiologia do InCor.
Além de problemas estruturais, como a falta de UTIs pediátricas, outro fator que influencia na diminuição de doadores crianças de coração é a menor ocorrência de morte encefálica e a necessidade de maior compatibilidade de tamanho entre coração de doador e receptor.
Além disso, se a abordagem à família do potencial doador criança não for feita de forma adequada, a recusa desses pais em doar os órgãos dos filhos pode ser maior, afirma Azeka. "Em crianças nesta faixa etária, causas de morte [encefálica] geralmente são traumas. Os pais têm sentimento de culpa [o que dificulta a doação]."
O InCor, com boa estrutura hospitalar para transplantes pediátricos, fez 12 transplantes neste ano -número maior do que a média histórica de cinco por ano.
Fonte: artigo de Taleta Bedinelli, para a Folha de 24/07/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário